Sérgio Cruz Lima

Moema: lenda ou realidade?

Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Moema é um misto de lenda e de realidade, ou simplesmente a realidade que, com o passar dos séculos, ganha beleza ao transmutar-se em lenda. Passa-se na Bahia de Todos os Santos. Contando às gerações futuras o desenrolar do drama, Frei José de Santa Rita Durão, religioso agostiniano do Brasil Colônia, escreve o poema épico Caramuru, que narra a descoberta da Bahia, o naufrágio de Diogo Álvares Correia e seus amores com as índias, principalmente com Paraguaçu. Lendo-o, grandes artistas recebem dele, até os dias de hoje, forte inspiração.

Quando Diogo Álvares Correia, o Caramuru, parte da Bahia para a Europa levando sua esposa, a índia Paraguaçu, cinco jovens nativas por ele apaixonadas acompanham a caravela a nado. Quatro delas, cansadas de tanto nadar, retornam à terra. Moema, porém, a que mais lhe quer, não desiste. Clamando pelo amado, pede que não a deixe morrer. Quer ir com ele. Coração endurecido pela ansiedade de regressar à pátria, Caramuru não lhe dá ouvidos e continua a velejar rumo a Portugal. Exausta de tanto nadar, Moema agarra-se ao leme da embarcação, até que, sem forças para continuar à tona d'água, submerge. Fogem dela, entre suaves ondulações provocadas por cardumes de estranhos peixes, as feições queridas. Já não se vê mais nada, atinge o negrume das profundezas. Pegajoso amargor a sufoca. Prestes a morrer, lembra-se ainda... o mesmo mar traiçoeiro que lhe queima os olhos, a garganta, e encharca o ser, sustenta a caravela onde o ingrato, enlaçado à esposa, segue para terras distantes.

No arroxeado silêncio do mar, o belo corpo moreno jaz perdido. A chegada de Caramuru, acompanhado da esposa índia, causa sensação em toda a Europa. Na França, terra de Ronsard, prestam-lhe grandes homenagens. Paraguaçu é apresentada à corte do rei, onde recebe o batismo. Catarina de Médicis, viúva do rei Henrique II e mãe de três monarcas de França, Francisco II, Carlos IX e Henrique III, é sua madrinha. Reconhecida por tão destacada honra, Paraguaçu altera seu nome para Catarina Paraguaçu. Baseando-se na história, o mineiro Frei José de Santa Rita Durão, no século 18, compõe o imortal poema "Caramuru":

"Copiosa multidão da nau francesa / Corre a ver o espetáculo assombrada / E, ignorando a ocasião de estranha empresa, / Pasma da turba feminil, que nada; / Uma, que às mais precede em gentileza / Não vinha menos bela do que irada, / Era Moema, que de inveja geme, / E, já vizinha à nau, se apega ao leme."

Lendo a bela página de Durão, inspiro-me nestes versos: "Perde o lume dos olhos, passiva, treme, / pálida a cor, o aspecto moribundo, / com a mão já sem vigor, soltando o leme, / entre as salsas escumas, desce ao fundo".

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